quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Guanhães



Voltei ontem de Guanhães, minha terra natal e cidade onde minha mãe mora.
Parece um clichê, mas é incrível como tão pouca distância separa mundos tão diferentes. A gente chega lá e parece que chegou em outro planeta. Claro que, por ser a casa da família, não é preciso nenhuma ambientação. Chego e já estou em casa.
O portão de casa fica sempre aberto, você se assusta o tempo todo com visitas que entram sem se anunciar. E tem que dormir sempre de pijama comportadinho, porque nas duas noites em que passei lá, alguma visita entrou no quarto antes de eu me levantar e sentou na cama sem a menor cerimônia.
Falando em quarto, lá quem levanta mais cedo vai pro quarto de quem ainda está deitado, dái ficam todos os quartos vazios e outro lotado de gente, uns deitados, uns sentados nas camas e outros sentados no chão. Uma farra.
Lá em Guanhães é lugar de andar a pé. Tudo é longe, mas a todo canto a gente vai a pé. Por isso que a minha mãe chega aqui e deslumbra com táxi. Entendi tudo. Enfim, lá a gente sai a pé e encontra conhecido o tempo todo. Ou não tão conhecido, mas tem que cumprimentar a todo mundo. Porque lá todo mundo é Fulano de Ciclano, e eu sou Janaína do Zé Giru, e se a pessoa cisma que eu deveria ter cumprimentado e eu não cumprimento, já está pronta a confusão, porque às vezes a pessoa nem sabe que eu sou Janaína, mas com certeza sabe a parte do Zé Giru. Então, pra evitar, saio na rua igual uma miss, sorrindo e acenando.
Lá tem um monte de serviços em domicílio que não tem aqui (não pra mim): a manicure vai lá em casa fazer nossas unhas, o leiteiro vai entregar o leite na porta.
Ceninha: Campainha lá é coisa que não existe. A mulher que foi entregar o leite gritou lá fora “Ó o leite!” E eu, desesperada, olho pra minha tia com cara de como assim. Ela teve que pegar uma leiteira e dar na minha mão pra eu cair a ficha. Falta de hábito. E olhe que morei lá um tempão.
E a comida? A relação da minha vó com a comida é ótima: se você põe comida pra ela, por menos que seja, ela diz “Isso tudo?” mas se você põe pra si mesmo, ainda que seja um pratão como o meu, ela diz “Só isso?” Sempre acompanhado por algo como “Essa menina não come nada...” Outro dia eu estava de unhas recém-feitas e ela fez aviãozinho do almoço pra eu não estragar as unhas. Isso quase matou meus primos de ciúmes. Adorei.
Falando em ciúmes, meu nome lá em casa pro meu irmão é Zotro. É só eu chegar, que ele vira pra minha mãe e começa: “Porque quando do Zotro tá aqui, você faz todas as vontades”, “Você só faz comida especial pro Zotro”. Aiai.
Falando em nomes, as filhas da minha vó são sempre “as meninas”. Independente da mais nova delas ter 44 anos. E os alunos das minhas tias (todas professoras) são sempre “meus meninos”. E os amigos dos meus tios são sempre “amigo-meu”. Lá a gente não fala “Antônio saiu com o amigo dele”, e sim “Ele saiu com amigo-meu”. Só se a gente não souber quem é o amigo, claro.
E só chamo de tios os tios mais velhos que a minha mãe. Nem eu sei por quê.
Cada vez que eu vou lá tenho uma fruta diferente no nosso quintal. Dessa vez tinha jabuticabas. Jabuticabeira carregadinha no quintal e não fui lá subir. Não deu tempo! Só comi as que estavam apanhadas, numa bacia. Não deu tempo, pois além das festividades e das compríssimas que fiz lá, tive que lanchar nas casas de duas amigas, imperdível. E tive que ver Tropa de Elite. Não podia acabar o ano sem ver. Nem achei isso tudo. E todas as tiradinhas legais eu já conhecia. Muito médio. Por isso que eu odeio best sellers (De filme é best seller também? Ah, sei lá! Falo desses que todo mundo vê, vocês entenderam...)

Lá tem umas expressões muito peculiares, tipo:
- De onde
- Capaz
- Inda mais
- Ô livre
Essas quatro são iguais ao “Qual ao chance?” que eu uso aqui. Empregos: “De onde que eu vou trabalhar domingo?” “Capaz que eu vou trabalhar domingo!” “Inda mais eu trabalhar domingo!” “Ô livre de eu trabalhar domingo!”
- opcevê = olhe pra você ver
- quede = cadê
- dê cá (pra pedir alguma coisa)
- deveras (pronunciado divera)
- acá (pra apontar alguma coisa)
- rebuçar = cobrir (com coberta)
- merendar = lanchar (meus amigos me zoam toda hora, quando eu falo. E eu falo todo dia)
- logo = fim do dia. “Vamos sair logo” não é daqui a pouco, é no fim do dia.
- comer é um substantivo. Emprego: “O comer está pronto!”
- “como é que chama” é um substantivo. Minha vó adora falar: “Cadê o como é que chama?”
- ir lá em cima ou ir à cidade é ir ao centro da cidade
- tucontuá = tudo quanto há

Toda vez que vou embora dá aquela sensação ruim, de deixando alguma coisa pra trás. E estou mesmo, né! Minhas raízes.

P.S.: Essa foto é do coreto lá de Guanhães.

P.P.S.: Estou indo viajar agora pra praia. Não sei mesmo se vai dar pra escrever de novo antes do dia 2. Não sei como vai ser lá, se vou ter acesso a internet algum dia e tal. Vou ver.
Acabo de descobrir que tinha programado uma viagem enorme acompanhada e vou ter que ir sozinha. To indo. Daqui a 2 horas. Tchau.

7 comentários:

Vaidade disse...

1 - quem revisou esse texto??? não pude deixar passar!
2 - adorei guanhães!!parece Rio Grande sem praia, é claro! Só faltou falar da fábrica de manteiga...acho um loosho ter uma fábrica de manteiga na cidade!!!hahahha
3 - minha manicure vem em casa!!!

feliz ano novo para todos!!!
fica pro ano que vem a lista de resoluções para 2008!!!

ah, chama blockbuster o equivalente a best seller para filmes...daí o nome da loja, pegou-pegou??? hahahah
bjos

Simone Gonçalves disse...

Amigaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!!
"Nostra terra"(se bem que eu não nasci lá, mas é a terra da minha mãe e do meu irmão mais velho e da minha irmã mais velha(Jesus!quantos irmãos!). Deu saudades...

vava disse...

Jana, fiquei surpresa em vc dizer que quando volta de Guanhães tem a sensação de estar deixando algo para trás. Eu jurava que vc não gostava muito de lá. De todos os primos vc é a única que não gosta de quintal, não gosta de quitanda, não gosta de galinheiro e nem de passar perto do chiqueiro. Eu, pessoalmente, acho tudo o máximo principalmente "leite delivery". Aquela carinha meio de nojo que vc fica quando está lá então não é pq vc não gosta do lugar, é sua cara mesmo!! Tô Boba prima!

Janaína disse...

Gente, minha família não me conhece nada, mesmo.
(Pra quem não sabe, Valéria é minha prima)
galinheito e chiqueiro - não gosto mesmo,
quitanda, frutas do quintal e a cidade em si - amoooo
"carinha meio de nojo que vc fica quando está lá então não é pq vc não gosta do lugar, é sua cara mesmo..." - gente, eles me odeiam!

Vaidade disse...

a.do.ro família...
conhecendo a Ira, carinha de nojo??? acho que é cara de "não vou fazer social, mesmo porque você é da família"
ao voltar o que ela pode estar deixando são lembranças boas... de sua infância e acima de tudo dona joana...

Érica disse...

Jana,
Estava com saudades de sua mãe e pedi à Érica que encontrasse um site de Guanhães. Então me deparei com um site no google "O Inferno TEM Porão". Achando o título muito engraçado, logo me interessei em ler o texto para ver se conhecia o local exato ao qual você estava se referindo...
A cada linha minha curiosidade aumentava, pois você soube, com muita propriedade, retratar os costumes e as falas e me transportei com muita saudade aos velhos tempos de criança e adolescente à nossa querida Guanhães.
Ao chegar na metade do texto, você se identificou; não acreditei. A pessoa que narrava com tanta fidelidade os verbos que se transformavam em substantivos, o chiqueiro, as jabuticabas na bacia era a menina Janaína, filha de minha querida prima Joana. Só não caí, porque estava sentada.
Uma curiosidade: a manicure ainda
é a Morgana?
Fiquei feliz; através de suas lembranças, consegui matar um pouco a saudade que estava sentindo de todos, principalmente de sua mãe.
Beijos,
Tia Conceição(Filha da dinha Zelita)

Janaína disse...

Geeeeeeeeeeeeeente, to boba!
To famosa demais, que ótimo, adoooro!
Agora sério, fiquei muito feliz de vcs terem lido meu post, me comentado, de ter aparecido no google... (tá, parei de falar disso).
Tia Conceição e Érica, fiquei muito feliz com a visita, entrem e fiquem à vontade, espero que gostem, leiam, comentem e divulguem (heheh).
Minha mãe tá aqui em BH de férias, já leu seu comentário e mandou um abraço pra vcs também.
Eu dou muita notícia minha e do meu povo aqui, leiam de vez em quando pra matar a saudade.
Se bem que saudade só se mata mesmo é com abraço, né?
Falando nisso, quando é que vcs vêm aqui, hein?

Abraços pra vcs.

P.S.: Mandem notícias suas depois por email, pro janainapimenta2003@yahoo.com.br