segunda-feira, 22 de outubro de 2007

O Abominável Homem do Saco


Já contei aqui do meu problema com o Homem do Saco?
Primeiro vou explicar o que é o Homem do Saco. Achava o conceito meio óbvio, mas aqui, bem do meu ladinho, tem gente que não sabe o que é.
Hoje, pra mim, Homem do Saco engloba mendigos, pedintes e pivetes. Homens, mulheres ou crianças.
Quando eu era pequena, tratava a instituição Homem do Saco como muitas crianças tratam o bicho papão. Tinha medo dele me levar e tal. Hoje tenho medo dele me roubar, me pedir alguma coisa e até mesmo dele ficar perto de mim. Horrível, mas é fato.
É um preconceito? Sim. Como muitos outros que tenho. Mas assumo.
Já cheguei a atravessar a rua pra desviar de mendigos dormindo e se vejo alguém imundo demais vindo na minha direção na rua, entro em qualquer lugar que esteja aberto. Deve ser por isso que só sofri assaltos em domingos, quando a maior parte do comércio não abre.
É um preconceito burguês? Talvez. Portanto espero que ninguém me crucifique por me sentir assim.
Não quero ninguém me dizendo que não devia sentir isso, nem que eu devia me pôr no lugar dele, nem que ele é gente como eu. Eu sei disso tudo. Além do mais, faltam alguns zeros na minha conta bancária pra eu ser chamada de burguesa.
Enfim, estou falando disso porque no sábado aconteceu algo.
Saí para almoçar com uma pessoa muito linda, que eu tinha muita vontade de conversar, mas claro que nunca dava. Então nada melhor que sair pra almoçar junto, sem planejar e com um tempo bem curtinho, pra conversarmos de boca cheia, contrariando tudo que nossas mães no ensinaram.
Comemos um papá uma delícia e conversamos, sim, bastante, de boca cheia, mas quando terminamos, vimos que ainda sobrava um tempinho e resolvemos ficar na pracinha conversando.
Mal sentamos e ele veio. O Homem do Saco. Imundo, com cheiro de cachaça e doido pra conversar. Com a gente.
Nunca espere me ouvir falando que não era a presença dele que me incomodava. Me incomodou um monte. Mas ao contrario do que muita gente pensa, eu não tinha um pensamento do tipo: “O que esse cara imundo está fazendo perto de mim?” Era mais “Por que esse cara não sai daqui e me deixa conversar?”, claro que completado por “ainda mais esse cara imundo”. Eu continuo chata.
Bizarrices da chegada dele:
- a abordagem não poderia ser mais estranha. O cara chegou colocando um livro de inglês todo estropiado no colo da gente. Pensamento 1: “Tenho que ir logo pra casa tomar um banho de álcool”
- ele chegou falando inglês. Pensamento 2 : “Tenho mesmo que aprender mandarim, até os mendigos já estão falando inglês”.
Já comecei cortando-o até delicadamente, dizendo: “Ah, não vou estudar inglês agora não. Estou no horário de almoço e tentando conversar um pouco”.
Ele continuou, falando umas frases sem nexo, embora perfeitamente construídas, algumas identificamos como trechos de músicas, mas algumas faziam parecer que ele sabia o que estava falando, tipo quando eu tentava interromper e ele dizia “just a moment”. Que coisa chata! Muito.
Uma hora ele falou “Não sei que lá, I’ll fly away” e eu aproveitei: “Yes, fly away, fly away! ” Magicamente ele “flyou” mesmo. Foi encher o saco de outro.
Foi o tempo de eu resmungar: “Por isso que eu queria almoçar no shopping” e minha companhia fazer uma cara feia pra mim, e ele voltou. Ai. Falando português. E cheio de historinhas.
Contou que é da favela, que já matou um cara que tentou ser mais homem do que ele, que o sonho dele é ser homem-bomba, que ele é fã do “Ozana” Bin Laden, que “Ozana” está no coração dele. “My heart”, repetiu em inglês, pro caso da gente não ter entendido.
Jesus, o que eu estava fazendo ali?!
Contou que o sonho dele é explodir a Assembléia, entrar lá cheio de dinamite num caminhão da Petrobrás, repetiu isso 500 vezes, ele tem muita fixação com isso.
E a gente só fazendo hã-hã. E eu puta de não ter podido conversar o assunto que eu queria, com quem eu queria.
Deu a hora de voltar. A gente olhou no relógio, faltava um minuto. Ele viu que a gente tava olhando e mandou, em inglês, a gente continuar a nossa conversation. Quis matar ele. Não pude vir embora sem antes falar “Agora não dá mais, a gente tem aula. Íamos conversar, mas não deu porque alguém nos interrompeu”.
Ele foi embora, bem feliz, dizendo Bye-bye e see you.
Só a tarde percebi que ele não me pediu dinheiro. Diferente.

2 comentários:

Unknown disse...

1)Eu sei sim, quem é o Homem do Saco. Lá na minha rua sempre passava um.

2)Achei de ver algo sobre...

Quem sou eu disse...

Isso porque você não trabalhou num CERSAM como eu, que além de escutar e dar a maior atenção a todas essas coisas cabeludas inda tentava tratar os caras.
Dá medo mesmo. A gente não tem idéia do quanto é cheio de preconceitos. E não precisa ser louco ou deficiente pra gente excluir não, entre nós, ditos "normais" rola preconceito e exclusão tb. Eu sei porque eu sou preconceituosa. Na dança de salão então nem se fala. A vontade que eu tenho é de chutar o saco de alguns e mandar pro inferno as vezes. Mas no final a gente sorri, espera, obecede e TOLERA!